terça-feira, 18 de março de 2025

É possível fazer lobbying de forma séria

(também publicado no Observador) 

Norman Rockwell - The Right to Know (1968)

Quando falamos de corrupção ou de promiscuidade de interesses conflituantes, é frequente juntar-se um estrangeirismo à conversa: os lobbies. Não me parece justo. Digo que é injusto porque devemos considerar o lobbying como algo que, quando bem enquadrado, beneficia o processo democrático de decisão.

Nesta sociedade muito acelerada e tão cheia de escolhas, é humanamente impossível que um deputado ou um ministro conheça ao pormenor o impacto das inúmeras decisões que toma diariamente. Por mais inteligente que ele seja e por mais numerosa e qualificada que seja a sua equipa, aquele decisor político não sabe exactamente tudo aquilo que faz. O volume de assuntos é tal, que ele acaba por confiar nas indicações do seu partido, em opiniões de outros, na sua intuição, e depois decide porque tem de decidir. Porém, os assuntos mais complexos carecem de reflexão adicional e é necessário auscultar os vários lados da questão, que nunca são menos do que dois. Então, é precisamente aqui que entra o lobbying como serviço público. O lobista, representante bem identificado de uma das partes interessadas, deve organizar e fornecer informação relevante ao decisor político, mostrando a bondade do seu ponto de vista ou do ponto de vista do seu cliente. Já o decisor político (ou a sua equipa) deverá ouvir todas as partes interessadas, e depois então pode avaliar o que é melhor à luz da Constituição e do programa que prometeu cumprir quando foi eleito ou nomeado.

Quem representa os lobbies são os lobistas e a actividade que estes desenvolvem é o lobbying. E isto do lobbying trata-se muito simplesmente de tentar influenciar políticas, mais concretamente as leis e outras decisões executivas. O lobista pode agir em nome próprio, da sua empresa ou da instituição que dirige, ou em representação de uma causa ou de um cliente. O lobista organiza e fornece informação relevante para o decisor político, promove debates, faz perguntas, ajuda a formular leis e emendas às propostas de lei, tenta convencer com bons argumentos os políticos a votar de certa maneira, promove acordos e também desacordos. No entanto, pode estabelecer alianças de forma a fortalecer a sua posição, exercendo pressão em conjunto com outros lobistas profissionais e também com o público em geral, mobilizando-o através das redes sociais, de petições, de artigos de jornal, de manifestações na rua, etc.

Toda a gente pode fazer lobbying. Aliás, toda a gente faz lobbying. Fazem lobbying as empresas, os bancos, as farmácias e os laboratórios, os agricultores, as associações (comerciais, laborais, sindicatos, etc.), as igrejas ou religiões, os países e Estados (governos, diplomatas, etc.), as regiões e cidades, as próprias instituições europeias entre si, os partidos, os cidadãos. E fazem-no através de ONG’s (organizações não governamentais), OANG’s (organizações aparentemente não governamentais), partidos, think tanks, universidades (com estudos, papers, doutoramentos honoris causa...), museus e fundações, atribuição de prémios, escritórios de advogados, consultores de relações públicas, jornais e jornalistas, entre muitas outras figuras.

O lobista, seja ele um profissional que representa um grande grupo ou um simples cidadão a actuar em nome próprio, deve ter o bom senso de insistir apenas o quanto baste, de ser bem-educado e de procurar ajudar de forma construtiva. Tanto quanto for possível no tempo limitado de que dispõe, o decisor político deve ser aberto e procurar ouvir todos aqueles que a ele se dirigem, mas não tem de aturar situações desagradáveis, insultuosas ou infrutíferas. Se o decisor político está ao serviço dos cidadãos e do Bem Comum, também nós devemos reconhecer o seu trabalho e agradecer-lhe o tempo e a atenção que nos dedica, sem fazer perder o seu e o nosso tempo.

Temos de olhar melhor para a cultura política dos países anglo-saxónicos, onde a realidade do lobbying é compreendida com normalidade, os lobistas são contratados pelas suas competências e os contactos políticos surgem naturalmente. São geralmente profissionais muito competentes. Por outro lado, os eleitores fiscalizam e acompanham o trabalho dos seus eleitos, escrevem-lhes e fazem petições. Por sua vez, os eleitos encontram-se regularmente com as pessoas do seu círculo eleitoral e prestam-lhes contas. Há uma cultura política de proximidade, onde o lobista é apenas mais um meio desse diálogo desejável entre o eleitor e o eleito. Entre nós, a cultura política é mais pobre e intermitente: a ligação entre eleitor e eleito quase se resume à campanha eleitoral e ao dia das eleições. Nessa perspectiva – a da cultura política – nós na União Europeia perdemos muito com a saída do Reino Unido.

Nos últimos dias tem-se falado muito de lobbying na sua vertente negativa e como qualificativo de alegada corrupção – legal ou “apenas” ética e moral.  Mas a corrupção não é uma característica do lobbying. Entendamos por corrupção não só aquilo que é ilegal, mas tudo o que degrada a natureza de uma função, de uma acção, de um cargo ou mandato. Por exemplo, o mandato dum eurodeputado é para representar o interesse dos cidadãos que o elegeram. Se esta não for a grande prioridade do eurodeputado, podemos dizer que ele está corrompido. Os principais tipos de corrupção que infectam a práctica do lobbying podem ser: favores legislativos, tráfico de influências, empregos para familiares, espionagem, sedução, cedência de assistentes que trabalhem para terceiros, viagens pagas, presentes, recebimento de dinheiro por acção, promessa de cargo futuro (as famosas portas giratórias ou “revolving doors”) e o financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Tudo isto pode alterar as prioridades do político ou funcionário que se pretende influenciar, degradando o seu serviço e dedicação ao Bem Comum. Seja em Lisboa ou em Bruxelas, seja um casino ou uma empresa de telecomunicações, seja promovido pelo Qatar ou pela China, o lobbying deve ser enquadrado pela lei e também por boas prácticas éticas e morais.

O lobbying melhora a qualidade da nossa democracia: presta um serviço útil, confere mais eficácia à voz dos interessados e dá informação relevante ao decisor político. Assim, o lobbying deve ser regulado para poder contribuir de forma virtuosa para o funcionamento da democracia. Portanto, o problema não é o lobbying: o problema é a corrupção. E à corrupção responde-se com leis claras, penas dissuasoras, uma justiça que funcione e, sobretudo, com mais ética pessoal e profissional de todos os intervenientes no processo legislativo.

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