domingo, 6 de março de 2022

Onde procurar sobre a invasão russa da Ucrânia

No meio de tanta cacofonia acerca da invasão russa à Ucrânia, parece-me útil destacar o trabalho de algumas pessoas bem informadas e com reflexões interessantes.

Estuário do Rio Dniepre

A primeira palavra tem de ser para José Milhazes, o antigo correspondente em Moscovo que conhece bem a Rússia, país onde viveu entre 1977 e 2015. É fundamental ouvir Milhazes na SIC e lê-lo no Observador, homem que está bem munido de fontes e acaba de lançar o livro “A Mais Breve História da Rússia”.

Para entender as questões geopolíticas, é imprescindível estar atento à análise frequente de Miguel Monjardino na SIC e no Expresso. No dia 11 de Dezembro, Monjardino escreveu que não podíamos excluir a possibilidade de Vladimir Putin invadir a Ucrânia e explicou porquê. Este Sábado dia 5 de Março disse que a guerra se podia tornar muito mais longa do que estava planeada.

Outro programa na SIC com informações militares e estratégicas relevantes é o Leste/Oeste de Nuno Rogeiro, que também mantém uma coluna na revista Sábado.

Já José Manuel Durão Barroso, encontrou-se 25 vezes com Vladimir Putin até ao ano de 2014, quando deixou a presidência da Comissão Europeia. Nas suas intervenções recentes na CNN e no Expresso, Barroso defendeu que Putin acha que a Rússia está mais forte depois da vitória na guerra da Síria e os Estados Unidos mais fracos depois da saída desastrada do Afeganistão.

Por outro lado, Alastair Campbell (antigo director de comunicação e estratégia do governo de Tony Blair) falou – no novo podcast que tem com Rory Stewart “The Rest is Politics” – sobre a mudança que sentiu na personalidade de Putin desde que o conheceu tímido antes de assumir a presidência da Federação Russa até quando esteve com ele numa dacha russa em 2003, em atitude dominadora, gritando com o Primeiro-Ministro britânico e tentado humilhá-lo naquele seu último encontro. Tanto Campbell como Barroso reconhecem que Putin mudou com as circunstâncias, numa crescente embriaguez de poder. Como estará o ânimo de Putin em 2022?

Vários comentadores têm lembrado um artigo que Henry Kissinger escreveu em 2014 no Washington Post: “To settle the Ucranian crisis, start at the end”. Nesse artigo escrito um mês depois dos protestos Euromaidan e um mês antes da invasão russa da Crimeia, o antigo Secretário de Estado dos presidentes Nixon e Ford tem, como é hábito, uma leitura muito interessante da História e dos equilíbrios da política. É lapidar a sua frase the test is not absolute satisfaction but balanced satisfaction, prevendo que o confronto seria inevitável se esse compromisso político não fosse alcançado. E assim foi, apesar de no meu entender ele não ter dado suficiente importância à possibilidade da destabilização vir do próprio Putin.

Jaime Nogueira Pinto é um dos que têm remetido para o artigo de Kissinger para sugerir que a Ucrânia seja como a Finlândia, e para o longo telegrama de George Kennan em 1946 prescrevendo à Ucrânia uma desejável política de contenção em relação à Rússia. Nogueira Pinto escreve no Observador e tem dois programas semanais que vale a pena ouvir, o Conversas à Quinta com Jaime Gama na Rádio Observador e o Radicais Livres com Pedro Tadeu na Antena 1.

No entanto, Eric Edelman foi embaixador americano na Finlândia e disse em entrevista a Bill Kristol que os finlandeses não gostam do termo "finlandização", e por razões justas. De facto, a aparente neutralidade finlandesa foi conseguida à custa de muito esforço e sangue derramado. Entre 1939 e 1944 a União Soviética e a Finlândia tiveram duas guerras que resultaram em cerca de 90 mil mortos finlandeses e mais de 450 mil mortos russos. A Finlândia foi neutral porque conseguiu defender a sua independência do invasor soviético e empurrá-lo de volta até quase às fronteiras originais. A URSS tinha muito mais força que a Finlândia (milhares de tanques contra 32), mas perdeu muita dela naqueles campos gelados. O tratado de paz foi assinado no interesse de ambas as partes. Ora, desde 1995 que a Finlândia é membro da União Europeia e, apesar das ameaças russas, reafirmou já este ano de 2022 a sua soberania ao reservar-se no direito de um dia pertencer à NATO se assim os finlandeses o entenderem. Para que a Ucrânia seja “como a Finlândia” como Kissinger e Nogueira Pinto propõem, primeiro a Ucrânia terá de travar a Rússia de Putin como a Finlândia travou a União Soviética de Estaline, para dessa forma ganhar de novo e a custo o seu direito à existência e à liberdade. Resta-nos esperar que, ao consegui-lo, o custo humano desta guerra não seja tão gravoso.

Stephen Kotkin é outro professor que vale a pena ouvir e que discorda do artigo de Kissinger no sentido em que defende que a Ucrânia tem hoje mais razões para ser independente do que tinha em 1991 quando a URSS ruiu. E sobre a actual invasão russa da Ucrânia, Kotkin aponta a Peter Robinson quais são as semelhanças, diferenças e implicações para a questão de Taiwan e da China.

Devo ainda recomendar a leitura dos artigos de Thomas Friedman (traduzido do New York Times) e Anne Applebaum (traduzido da Atlantic) no Expresso desta semana e a entrevista desta especialista também a Bill Kristol no seu programa Conversations.

Por fim, para ter uma noção actualizada do mapa da Ucrânia e das movimentações militares, não dispenso receber no e-mail o relatório diário muito completo do Institute for the Study of War.

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