No meio de tanta cacofonia acerca da invasão russa à Ucrânia, parece-me útil destacar o trabalho de algumas pessoas bem informadas e com reflexões interessantes.
Estuário do Rio Dniepre |
A primeira palavra tem de ser
para José Milhazes, o antigo correspondente em Moscovo que conhece bem a
Rússia, país onde viveu entre 1977 e 2015. É fundamental ouvir Milhazes na SIC
e lê-lo no Observador,
homem que está bem munido de fontes e acaba de lançar o livro “A
Mais Breve História da Rússia”.
Para entender as questões
geopolíticas, é imprescindível estar atento à análise frequente de Miguel
Monjardino na SIC e no Expresso. No dia 11 de Dezembro, Monjardino escreveu que não podíamos excluir a possibilidade de
Vladimir Putin invadir a Ucrânia e explicou porquê. Este Sábado dia 5 de Março
disse que a guerra se podia tornar muito mais longa do que estava planeada.
Outro programa na SIC com informações
militares e estratégicas relevantes é o Leste/Oeste de Nuno
Rogeiro, que também mantém uma coluna na revista Sábado.
Já José Manuel Durão Barroso,
encontrou-se 25 vezes com Vladimir Putin até ao ano de 2014, quando deixou a
presidência da Comissão Europeia. Nas suas intervenções recentes na CNN e no
Expresso, Barroso defendeu que Putin acha que a Rússia está mais forte depois
da vitória na guerra da Síria e os Estados Unidos mais fracos depois da saída desastrada
do Afeganistão.
Por outro lado, Alastair
Campbell (antigo director de comunicação e estratégia do governo de Tony
Blair) falou – no novo podcast que tem com Rory Stewart “The Rest is Politics”
– sobre a mudança que sentiu na personalidade de Putin desde que o conheceu tímido
antes de assumir a presidência da Federação Russa até quando esteve com ele numa
dacha russa em 2003, em atitude dominadora, gritando com o Primeiro-Ministro
britânico e tentado humilhá-lo naquele seu último encontro. Tanto Campbell como
Barroso reconhecem que Putin mudou com as circunstâncias, numa crescente
embriaguez de poder. Como estará o ânimo de Putin em 2022?
Vários comentadores têm lembrado
um artigo que Henry Kissinger escreveu em 2014 no Washington Post: “To
settle the Ucranian crisis, start at the end”. Nesse
artigo escrito um mês depois dos protestos Euromaidan e um mês antes da
invasão russa da Crimeia, o antigo Secretário de Estado dos presidentes Nixon e
Ford tem, como é hábito, uma leitura muito interessante da História e dos
equilíbrios da política. É lapidar a sua frase the test is not absolute satisfaction
but balanced satisfaction, prevendo que o confronto seria inevitável se esse compromisso
político não fosse alcançado. E assim foi, apesar de no meu entender ele não ter
dado suficiente importância à possibilidade da destabilização vir do próprio Putin.
Jaime Nogueira Pinto é um
dos que têm remetido para o artigo de Kissinger para sugerir que a Ucrânia seja
como a Finlândia, e para o longo telegrama de George Kennan em 1946 prescrevendo
à Ucrânia uma desejável política de contenção em relação à Rússia. Nogueira
Pinto escreve no Observador
e tem dois programas semanais que vale a pena ouvir, o Conversas à Quinta com
Jaime Gama na Rádio Observador e o Radicais Livres
com Pedro Tadeu na Antena 1.
No entanto, Eric Edelman
foi embaixador americano na Finlândia e disse em entrevista a Bill Kristol
que os finlandeses não gostam do termo "finlandização", e por razões justas. De
facto, a aparente neutralidade finlandesa foi conseguida à custa de muito
esforço e sangue derramado. Entre 1939 e 1944 a União Soviética e a Finlândia
tiveram duas guerras que resultaram em cerca de 90 mil mortos finlandeses e
mais de 450 mil mortos russos. A Finlândia foi neutral porque conseguiu
defender a sua independência do invasor soviético e empurrá-lo de volta até quase
às fronteiras originais. A URSS tinha muito mais força que a Finlândia (milhares
de tanques contra 32), mas perdeu muita dela naqueles campos gelados. O tratado
de paz foi assinado no interesse de ambas as partes. Ora, desde 1995 que a
Finlândia é membro da União Europeia e, apesar das ameaças russas, reafirmou já
este ano de 2022 a sua soberania ao reservar-se no direito de um dia pertencer
à NATO se assim os finlandeses o entenderem. Para que a Ucrânia seja “como a
Finlândia” como Kissinger e Nogueira Pinto propõem, primeiro a Ucrânia terá de
travar a Rússia de Putin como a Finlândia travou a União Soviética de Estaline, para dessa forma ganhar de novo e a custo o seu direito à existência e à liberdade.
Resta-nos esperar que, ao consegui-lo, o custo humano desta guerra não seja tão gravoso.
Stephen Kotkin é outro
professor que vale a pena ouvir e que discorda do artigo de Kissinger no
sentido em que defende que a Ucrânia tem hoje mais razões para ser independente
do que tinha em 1991 quando a URSS ruiu. E sobre a actual invasão russa da
Ucrânia, Kotkin
aponta a Peter Robinson quais são as semelhanças, diferenças e implicações
para a questão de Taiwan e da China.
Devo ainda recomendar a leitura
dos artigos de Thomas Friedman (traduzido
do New York Times) e Anne Applebaum (traduzido
da Atlantic) no Expresso desta semana e a entrevista desta especialista também
a Bill Kristol no seu programa Conversations.
Por fim, para ter uma noção actualizada
do mapa da Ucrânia e das movimentações militares, não dispenso receber no e-mail
o relatório
diário muito completo do Institute for the Study of War.
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