domingo, 6 de fevereiro de 2022

O nosso momento Goldwater

(também publicado no Ingovernáveis e no Observador)

Olhemos para as eleições presidenciais americanas de dia 3 de Novembro de 1964: o candidato democrata Lyndon B. Johnson (LBJ) derrota o candidato republicano Barry Goldwater com 90,3% no Colégio Eleitoral, teve 61,1% contra 38,5% em votos populares, e ganhou um total de 44 dos 50 Estados. Foi a vitória mais expressiva desde James Monroe em 1820, e os resultados são ainda mais retumbantes se pensarmos como LBJ era visto. Primeiro, sabemos como é difícil substituir uma pessoa popular e LBJ era o vice-presidente que tomou o lugar do amado John F. Kennedy após o seu assassínio em Dallas em 1963; em segundo lugar, LBJ era percebido como sendo um homem demasiado ambicioso, manipulador, rude, inseguro, obcecado em deixar a sua marca na história e ser mais querido que o seu antecessor; por último, à excepção dos 8 anos de Dwight Eisenhower (1952-60), os americanos eram governados por democratas desde 1932. Contra estas probabilidades, LBJ teve uma grande vitória eleitoral e, assim sendo, só nos resta saber uma coisa: o que fez Barry Goldwater de errado?

Barry Goldwater (1909-1998), foi senador do Arizona de 1953 até 1987, quando a sua cadeira foi ocupada por John McCain. Poderíamos defini-lo politicamente como um liberal na economia com preocupações ambientais. Foi contra o New Deal de Franklin D. Roosevelt, que considerava ter atrasado a recuperação da crise económica de 1929. Pelas mesmas razões, foi contra as políticas sociais de LBJ, que acusava de ineficazes. Crítico da linha económica seguida por democratas e republicanos, Goldwater expunha as suas convicções com mais veemência do que compaixão, sacrificando a eficácia da retórica à maior determinação e firmeza de princípios. Tendo inspirado o renascimento do conservadorismo americano, Goldwater foi-se tornando mais libertário com o passar dos anos. Em 1964 enfrentou uma campanha dura contra si e não teve a capacidade de tornar apelativa a sua mensagem naquele momento.

No dia seguinte às eleições, o julgamento público foi – como escreveu William F. Buckley Jr. – “que a crítica de Goldwater ao liberalismo americano teve a sua última aparição na cena política nacional. Os conservadores podiam agora voltar para os seus pequenos covis e cantar para si próprios as suas canções nostálgicas, e talvez juntarem-se de tempos a tempos para jantares em honra de Barry Goldwater. (…) Mas claro que, 16 anos depois, o mundo assistiu surpreso à eleição presidencial de Ronald Reagan, por uma plataforma indistinguível daquela em que Barry pregou.” Só que Reagan juntava às ideias económicas de Goldwater um carisma mais atraente, tendo aproveitado bem o desânimo geral causado pela Guerra do Vietname e pelas erráticas administrações de LBJ, Nixon, Ford e Carter.


 

A campanha do CDS

O slogan conservador da campanha do CDS “Pelas mesmas razões de sempre” é, paradoxalmente, profundamente inovador na política portuguesa. Não estamos habituados a alguém que nos prometa mais do mesmo, mesmo que seja o melhor do mesmo. Faz falta pararmos um pouco para pensar neste desafio que é valorizar aquilo que de melhor temos sem ser preciso inventar grandes mudanças. Francisco Rodrigues dos Santos defendeu sem medos o valor da vida desde a concepção até à morte natural, ou a liberdade de educação contra a obrigatoriedade da polémica disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Mesmo assim, estas razões de sempre não cristalizaram o programa do CDS, que quis propor medidas novas e muito pertinentes como a “Via Verde da Saúde” que pretendia garantir a liberdade de escolha aos doentes que têm muito tempo de espera no sector público e, assim, poderiam ter acesso a cuidados médicos no sector particular e social.

Não milito num partido nem tenho esse plano. Nunca me cruzei com o líder cessante do CDS, que conheço só da televisão. Sou apenas um simples eleitor que gostaria de ter podido votar no PPM de Ribeiro Telles e Barrilaro Ruas nos anos 70 e 80, e que quando chegou à idade adulta foi votando umas vezes aqui, outras acolá, sempre sem grande prazer. Mas, desta vez, tive muito gosto em votar na versão do CDS que Francisco Rodrigues dos Santos nos apresentou, para mim das melhores versões que conheci ao seu partido. O CDS foi convivendo ao longo do tempo com as suas correntes conservadora, democrata-cristã e liberal. É um partido cujas correntes ideológicas eram quase tão difíceis de conciliar quanto os egos dos políticos, tendo até 3 presidentes abandonado – em momentos diferentes – este partido que lideraram. Hoje, com o aparecimento da Iniciativa Liberal e a saída de alguns libertários, talvez o CDS possa finalmente recuperar uma faceta do liberalismo que esteja em maior harmonia com as suas correntes conservadora e democrata-cristã. Por outro lado, o problema de egos subsiste – mas essa é uma característica inerente a qualquer partido.


O momento Goldwater

Como Barry Goldwater, Francisco Rodrigues dos Santos teve um terrível resultado eleitoral; mas também como ele, a sua campanha irá colher os melhores frutos uns anos mais tarde. No elogio fúnebre a Barry Goldwater, William F. Buckley Jr. escreveu que “até dava a impressão que [na campanha de 1964] ele queria alienar blocos de votantes. Ele não o fez de propósito; ele simplesmente se empenhou em explicar e tentar mostrar a integridade da arquitectura do seu pensamento”. Também o líder do CDS não terá querido afastar da ceia de dia 30 os votantes de tendência mais liberal e os de inclinação mais populista, terá antes tentado foi explicar aquilo que o seu CDS trazia de profundamente diferente àquele espaço da direita portuguesa.

Francisco Rodrigues dos Santos citou Ronald Reagan (1911-2004) em pelo menos 3 dos seus debates televisivos. Essa referência é música para os meus ouvidos, como teria sido a referência a Margaret Thatcher (1925-2013), a Jacob Rees-Mogg (1969-), a Paul Ryan (1970-) ou ao nosso injustamente esquecido Thomaz Ribeiro (1831-1901), só para nomear alguns. O que gostaria de dizer a Francisco Rodrigues dos Santos é que, para que Ronald Reagan ganhasse a presidência em 1980 e fosse o político que hoje gostamos de citar, foi necessária a estrondosa derrota de Barry Goldwater 16 anos antes, falando exactamente das mesmas ideias, essas “mesmas razões de sempre” que semeou no debate público e que abriram caminho para um dos melhores períodos da história americana. Ronald Reagan e os seus apoiantes estiveram com Barry Goldwater em 1964. O senador Barry Goldwater manteve e apurou convicções, servindo o país em ocasiões importantes como em 1974 quando terá ajudado a convencer Nixon a demitir-se, ou em 1986 quando a administração Reagan pôde contar com o seu importante contributo na legislação que reformou o Defense Department e ajudou à derrocada da União Soviética.

A quem nunca se cansa de Casablanca, the fundamental things apply as time goes by. A Francisco Rodrigues dos Santos, um muito reconhecido agradecimento pela coragem com que se lançou nesta dificílima campanha e pela integridade dos valores que defende.

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