domingo, 15 de maio de 2011

as mangas arregaçadas de Sócrates


Sei que este postal não versa sobre conteúdos e propostas (o que mais importa para os eleitores), mas apenas sobre a imagem e as aparências que permitem a um candidato entregar melhor ou pior a sua mensagem ao público assistente. Comparemos José Sócrates e Barack Obama quando chegam a um comício.


Barack Obama é naturalmente simpático, comunica bem e sem esforço. Sobe ao palco. Saúda o público. Despe o casaco. Arregaça as mangas da camisa. Sorri. Começa a falar. Diz primeiro como está contente por estar ali. Namora a plateia. A seguir conta uma piada. E depois de ganhar a simpatia do público, coloca a sua mensagem através de uma retórica brilhante, baseada principalmente no relato de histórias - storytelling. Faz pausas onde os aplausos imprimem mais ritmo e dinâmica ao seu discurso. Termina a sua exposição pedindo ao público qualquer coisa, seja dinheiro para a campanha, seja o voto, seja uma acção de apoio. Despede-se demoradamente e deixa-se tocar por todos quantos puderem alcançá-lo com a mão entre os seguranças. Todos ganham o que queriam. Missão cumprida.


José Sócrates é um razoável comunicador porque interioriza o que lhe ensinam sobre comunicação, mas não se pode dizer que este lhe seja um talento inato e natural. Sobe ao palco. Despe o casaco. As mangas já estavam arregaçadas dentro do casaco. E fica o discurso estragado. Ninguém mais dirá que aquele homem e aquele discurso são naturais. E lembramos logo o seu tragicómico episódio "Oh Luís, vê lá como é que fico. Assim fica melhor, ou fica melhor assim?". Game over.

As mangas de camisa arregaçadas mostram vontade de trabalhar, empenho e compromisso. Porém, estes gestos só são levados a sério quando nos parecem gestos naturais e fluidos. A credibilidade e a autenticidade são aspectos chave para que um candidato consiga passar a sua mensagem. É verdade que as imagens valem mais que mil palavras, e precisamente por isso é que é importante fazer as coisas bem feitas e sem erros de palmatória.


Finalmente, Passos Coelho também tem feito vários erros de comunicação e imagem. Mas estes erros não o têm afectado tanto como a Sócrates. A diferença entre Passos Coelho e Sócrates, neste aspecto, é que Passos Coelho tem errado dentro da sua genuinidade, o que a gente desculpa e até compreende. Já Sócrates parte numa situação mais delicada, pois representa neste momento um personagem que não é ele próprio e, sempre que erra, essa incoerência salta à vista. A grande comodidade de Passos Coelho em relação a Sócrates e a Portas é que a personagem que encarna ainda não saiu de dentro de si. E para se aguentar assim, Passos Coelho terá de cultivar a humildade.

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