segunda-feira, 29 de junho de 2009

pela ética da convicção, contra o voto útil

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Um dos melhores filmes que conheço é o Reino dos Céus (Kingdom of Heaven - 2005), dirigido por Ridey Scott e escrito por William Monahan. O facto de ser um romance histórico, e a necessidade de tornar a narrativa mais cativante e cinematográfica, não garantem precisão histórica, mas em todo o caso esta é uma excelente história que Ridley Scott nos conta. Tendo como pano de fundo a reconquista de Jerusalém pelos muçulmanos em 1187, vemos os extremistas de parte a parte a incitar à guerra que lhes interessava por "vontade de Deus". Este filme tem uma riqueza de conteúdos que permite ser o ponto de partida de várias discussões filosóficas e morais, mas hoje interessa-me aqui citar uns diálogos do "Reino dos Céus" que bem ilustram as éticas de Max Weber em confronto: a "ética da convicção" versus a "ética da responsabilidade".
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Rei Balduíno IV (R) - Decidimos que deverá tomar comando do exército de Jerusalém. Se eu deixar o exército com o Guy, ele tomará o poder através da minha irmã e declara guerra aos muçulmanos [comandados por Saladino].
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Balian, Barão de Ibelin (B) - Seja lá o que pedir, eu servirei.
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R - Não. Oiça tudo antes de responder. Casaria com a minha irmã Sibila [de quem Balian gosta], se ela estivesse livre do Guy de Lusignan?
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B - E o Guy?
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Tiberias, Raimundo III de Tripoli (T) - Vai ser executado. Assim como os cavaleiros que não lhe juram fidelidade.
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B - Eu não posso ser a causa disso.
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T - "Seja o que for que pedir, eu servirei"
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B - Um rei pode mover um homem, disse o senhor. Mas a alma pertence ao homem.
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R - Sim, disse isso.
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B - Aí tem o meu amor e a minha resposta.
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R - Então que assim seja.
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T - Porque é que protege o Guy? Ele é um homem que o insulta, que o odeia. Ele próprio o mataria se tivesse a oportunidade. Nem pela salvação deste reino, será assim tão difícil casar com a Sibila? Jerusalém não tem necessidade de um cavaleiro perfeito.
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B - Não. É um reino de consciência, ou nada.
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B - Sibila!
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Sibila (S) - Quem és tu para recusar o pedido de um rei? Eu sou o que sou. Eu ofereço-te isso. E o mundo. E tu dizes que não.
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B - Achas que eu sou como o Guy? Que eu seria capaz de vender a minha alma?
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S - Virá o dia em que desejarás ter feito um pouco de mal para poderes ter praticado o bem a uma escala maior.
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A dificuldade de muitas das nossas decisões não está em optar entre o bem e o mal, mas entre o ideal e o pragmático, o sentimento e a razão, a convicção e a responsabilidade. Este dilema ético acompanha qualquer pessoa nas suas escolhas ao longo da vida. Como deve ser a minha conduta? A minha ética é a da convicção ou a da responsabilidade? Umas vezes uma, outras vezes outra? Tentar arranjar um equilíbrio entre ambas, tal como sugere Max Weber, não será contaminar a pureza da ética da convicção e torná-la sempre, inevitavelmente, numa ética da responsabilidade?

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Lembro que José Sócrates, na práctica do auto-elogio em que recorre, disse que decidira que o Tratado de Lisboa não iria a referendo em Portugal por uma questão de ética da responsabilidade. Ou seja, para quem crê no valor da democracia ou no valor de honrar a palavra dada na campanha eleitoral, o sr engenhoso preferiu iludir esses valores a arriscar-se a ver o seu Tratado chumbado em referendo. Assim, sou pela ética da convicção em tudo, o mais possível, sem qualquer concessão e defendendo só aquilo em que acredito. Considero até um pouco descabido chamar "ética" à segunda hipótese. É por exemplo pela ética da convicção que desprezo qualquer apelo ao voto útil que façam os dois partidos do poder, ou os cinco da assembleia. Se nalgum deles votar, nunca será por esse repelente argumento, mas pelas suas propostas, ideologias (porque ainda as há), e pessoas. Pode-se dizer que, quem concorda mais com um partido numas eleições e vota noutro porque pensa ser mais útil assim, está-se alinhando por uma ética da responsabilidade (nada a fazer, a designação do Weber é mesmo esta...).

Defender a ética da convicção é proteger a pureza da verdade a todo o custo, numa atitude próxima do irrepreensível. O protagonista deste filme podia ter-se casado com a mulher que amava, ter-se livrado do fidagal inimigo, e ter-se tornado no seguinte Rei de Jerusalém, mantendo uma amigável paz com Saladino, e tudo isto se tivesse dito um simples "sim" ao seu rei. Mas preferiu dizer "não", apenas porque não concordou com o método traiçoeiro de afastar o seu pior inimigo para resolver todos os seus problemas e os do reino. É por isso que considero Balian um dos mais virtuosos heróis que o cinema produziu nos últimos tempos. E se alguém pensa que Balian escolheu a solução que lhe dava menos problemas, está redondamente enganado. Desde quando é que agir conforme a consciência é o caminho mais fácil?

2 comentários:

Anónimo disse...

para que saibas há quem leia estes teus textos gigantes e chegue ao final a pensar: "muito bom mesmo... muito bom... sim Sr." ACC

António Vieira da Cruz disse...

Eheheh obrigado grande ACC! Este texto também é para ti. Apesar de, como sabes, muitas vezes não concordar com o que defendes, acho que tu és um dos poucos ilustres exemplos de pessoas que ainda alinha pela ética da convicção. E isso é de valor! Um abraço