quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Dois filmes de Verão

(também publicado no Jacaré)

Na última semana fui ver dois filmes ao cinema. Quem quiser ver um grande filme de acção que dispõe bem, então não há que enganar: F1 merece ser visto diante do grande ecrã e com o som envolvente. Bem montado, transmite com eficácia o ambiente e a adrenalina das corridas de 24h Daytona, Baja 1000 e, principalmente, a Formula 1. A história é o arquétipo do velho herói (Brad Pitt) que volta para provar que ainda tem valor e o do jovem talento que está relutante em aprender mas que se deixa conquistar – como todos os outros cépticos – pelo génio do velho piloto. Uma história à moda antiga filmada com a mais recente tecnologia, tudo bem feito.

Ontem foi dia de voltar ao cinema. Não consegui convencer a minha querida que os filmes italianos são muito melhores do que os seus trailers. O meu argumento deu pouca luta porque logo encontrámos “Eddington”, num cartaz com Joaquin Phoenix debaixo dum chapéu de aba larga. “É de cowboys!”, animei-me, e ao pôr o trailer vimos que havia uma campanha eleitoral e ambos gostamos de tramas políticas. Com Emma Stone, Pedro Pascal e Austin Butler a completar o elenco, o filme prometia. Estava decidido. Eddington é o nome de uma pequena vila com um mayor, um xerife e os seus dois ajudantes. A história passa-se em 2020, no início da aplicação das medidas de saúde pública para combater o covid-19, nomeadamente a obrigatoriedade do uso de máscaras em supermercados e outros lugares de encontro. O xerife não concorda com o uso da máscara e outras medidas executadas pelo mayor, seu rival. Ao ajudar um velho a fazer as compras num supermercado que não o deixava entrar sem máscara, o velho tira uma fotografia com o xerife e publica-a nas redes sociais muito agradecido. E aí, aquele homem que parecia decente, não cabe em si de vaidade. Num impulso e sem consultar a mulher, publica nas redes um vídeo onde anuncia que será candidato a mayor nas próximas eleições. 

Este é o pecado original em Eddington. Ao pegarmos na Bíblia, lembramos que “a soberba precede a ruína, e a presunção precede a queda” (Pr 16,18). Em “Paradise Lost” (1667), John Milton diz que foi o seu “orgulho e a pior ambição” que precipitaram Satanás no inferno, para sua “infinita raiva e infinito desespero”. Resta-lhe tentar o “inocente e frágil homem” e nele infligir a sua perdição. E como escreve C.S. Lewis em “Mere Christianity” (1952), “o vício essencial, o maior mal, é o orgulho”. Aliás, “foi através do orgulho que o diabo se tornou diabo. O orgulho conduz-nos a todos os outros vícios”.

Eddington é apenas o nome deste lugar fictício no Novo México, o que nos diz pouco. Com mais justiça, o filme podia chamar-se Pandora. Ao destapar o vaso, dali saíram em imparável cadência todos os males sociais do ocidente contemporâneo. O catálogo é bastante exaustivo: a indiferença face à fragilidade de um sem-abrigo concreto; a hiper-sensibilidade face a problemas externos àquela comunidade, como a morte de George Floyd no longínquo Minnesota; o marxismo do Black Lives Matter; o terrorismo dos Antifa; o populismo proliferante; o racismo; a inveja laboral; as teorias da conspiração sobre vacinas, os abusos sexuais, a classe política, etc.; a depressão, a dependência dos ecrãs, a cultura da fama e dos influencers; a falta de informação e os boatos; o poder de manipulação dos algoritmos; os problemas ambientais e energéticos; novas seitas religiosas; a violência desproporcional e a facilidade de arranjar armas de guerra; a falta de reconhecimento do valor da vida humana; a manipulação fácil das massas e o discurso de ódio; a anarquia; o abuso da força de um poder sem freios; os extremos que se tocam e as pessoas que rapidamente passam de um extremo para o outro; o espectáculo degradante das novelas da vida real; a pobreza moral dos novos protagonistas; e o triunfo dos menos capazes. 

Não recomendo Eddington, que é pesado e desconcertante. São conflitos com origem inesperada, que crescem num ápice, e sem esperança de resolução. Mas é importante saber que existe esta crítica muito pertinente aos perigos do novo ambiente político em que vivemos. Entretanto, F1 ainda está nas salas. Aí, os problemas ainda são resolvidos à boa moda antiga. Não perca a oportunidade de ver F1 em grande plano, o filme merece!

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