(publicado originalmente no Ingovernáveis)
Eco e Narciso
O fabuloso livro das “Mil e uma noites” começa por nos contar que um rei chamado Xabriar descobriu que a sua mulher lhe era infiel e matou-a a ela e ao amante. Ferido no orgulho, decidiu ainda que ia dormir cada noite com uma mulher nova que, ao amanhecer, matava também. E assim foi, noite após noite, mulher após mulher, até que conheceu Sherazade que era uma princesa muito bonita e com especial talento para contar histórias. Na primeira noite contou uma história que lhe prendeu a atenção, dizendo que contava o resto na noite seguinte se lhe poupasse a vida. Na noite seguinte concluiu a história, prometendo-lhe uma história ainda melhor na noite seguinte se Xabriar a deixasse viver. Um conto e mais um conto, noite atrás de noite, o rei Xabriar foi-se encantando com todas aquelas histórias cheias de novidade e emoções, e deu por si completamente apaixonado pela princesa Sherazade. O amor era recíproco. Ao fim de 1001 noites, Xabriar e Sherazade casaram e viveram juntos e felizes para sempre. As histórias de Sherazade continuam a fazer-nos sonhar hoje: quem nunca embarcou com Simbad o Marinheiro, ou ordenou a uma porta “abre-te sésamo!” como Ali Babá, ou esfregou teimosamente uma lâmpada como Aladim?
As eleições americanas
Não sei se Donald J. Trump será reconduzido a um segundo mandato ou se desta vez as sondagens estão certas ao dá-lo como derrotado nas eleições dentro de 3 dias. O que sei é que Jared Kushner, o genro do Presidente, cumpriu com a ameaça e fez um “full hostile takeover” ao Partido Republicano. O Partido Republicano de 2020 nada tem a ver com o Partido Republicano de 2015. Em 2020, o Partido Republicano abafou e afastou as vozes independentes e está totalmente domado por Trump. É a ninfa Eco, presa a este Narciso que apenas quer saber de si. Talvez o improvável se repita e Trump tenha mais 4 anos de mandato, mas o Partido Republicano ou o que sobra dele terá de se confrontar mais tarde ou mais cedo com a questão existencial: to be or not to be? O que é feito do Partido Republicano que ofereceu à América e ao Mundo presidentes tão brilhantes como Abraham Lincoln, Ulisses Grant, Teddy Roosevelt, Calvin Coolidge, Dwight Eisenhower, Ronald Reagan, entre outros? O Partido Republicano tem uma tradição de defender os interesses americanos, de respeitar as instituições, de privilegiar o poder local sobre o poder central, de querer impostos baixos, despesa e dívida públicas controladas, e forças armadas respeitáveis e respeitadas tanto por inimigos como pelos aliados. Era um partido que usava uma linguagem vibrante mas correcta e agregadora, e que defendia no conteúdo e na forma a decência, a moral e os bons costumes. Era um partido que tentava governar para todos os americanos e para o bem comum, não apenas para alguns e contra os outros. Por onde anda esse partido, alguém o viu? O Partido Republicano faz falta aos EUA e faz falta ao Ocidente. Quando Trump sair, este ano ou daqui a 4, o Partido Republicano terá de reconstruir a sua identidade a partir dos escombros deste terrível período da sua história, tal como fez depois de outro desastre chamado Nixon. Nessa altura, o Partido Republicano terá de olhar novamente para os americanos, encarar esse Rei Xabriar que se sente enganado e voltar a falar-lhe ao coração, encantando-os como Sherazade, contando-lhes boas histórias, reais e que fazem sentido, que dão esperança e fazem sonhar. O Partido Republicano precisa de se encontrar e de desenvolver uma nova narrativa para sobreviver e… viver. Mas se o Partido Republicano quiser continuar em modo Trump, sobretudo na sua forma divisiva de comunicar e de governar, então temo pelo seu e pelo nosso futuro.
Sem comentários:
Enviar um comentário