quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Partido Republicano - ser ou não ser?

 (publicado originalmente no Ingovernáveis)

Eco e Narciso (1903) - John William Waterhouse

Eco e Narciso

Na mitologia grega, Eco era uma linda ninfa que gostava de caçar e de passear pelos bosques. Eco era também conversadora e fazia questão ter sempre a última palavra. Um dia, a deusa Hera suspeitou que o seu marido Zeus se andava a divertir com as ninfas e foi à sua procura no Monte Olimpo. Pelo caminho, Hera encontrou Eco que a tentou distrair com a sua conversa. Quando percebeu que Eco estava a tentar proteger Zeus com o seu discurso, Hera ficou furiosa e condenou-a ao silêncio, não lhe deixando começar mais nenhuma conversa e permitindo-lhe apenas repetir as últimas palavras que terceiros eventualmente lhe dirigissem. Eco sofria pelo discurso que perdera, mas um dia viu um rapaz chamado Narciso a caçar e imediatamente ficou encantada com a sua beleza. Queria falar-lhe, mas não conseguia. Cansado, Narciso aproximou-se dum lago para beber água e recuperar forças mas, olhando o seu reflexo, gostou tanto de se ver que ficou ali, imóvel, a contemplar-se. Eco tentou chegar perto de Narciso, mas ele rejeitou-a. Ambos estavam perdidamente apaixonados por ele. Este amor centrado num só vaidoso consumiu-os aos dois: Narciso definhou a olhar para o seu reflexo, e ao morrer transformou-se na flor branca que hoje mantém o seu nome; já Eco, também ficou presa à visão de Narciso, perdeu toda a sua beleza e envelheceu rapidamente, os seus ossos formaram pedras e de si apenas resta o som da sua voz estéril a repetir palavras por outros já ditas.


O problema de Sherazade

O fabuloso livro das “Mil e uma noites” começa por nos contar que um rei chamado Xabriar descobriu que a sua mulher lhe era infiel e matou-a a ela e ao amante. Ferido no orgulho, decidiu ainda que ia dormir cada noite com uma mulher nova que, ao amanhecer, matava também. E assim foi, noite após noite, mulher após mulher, até que conheceu Sherazade que era uma princesa muito bonita e com especial talento para contar histórias. Na primeira noite contou uma história que lhe prendeu a atenção, dizendo que contava o resto na noite seguinte se lhe poupasse a vida. Na noite seguinte concluiu a história, prometendo-lhe uma história ainda melhor na noite seguinte se Xabriar a deixasse viver. Um conto e mais um conto, noite atrás de noite, o rei Xabriar foi-se encantando com todas aquelas histórias cheias de novidade e emoções, e deu por si completamente apaixonado pela princesa Sherazade. O amor era recíproco. Ao fim de 1001 noites, Xabriar e Sherazade casaram e viveram juntos e felizes para sempre. As histórias de Sherazade continuam a fazer-nos sonhar hoje: quem nunca embarcou com Simbad o Marinheiro, ou ordenou a uma porta “abre-te sésamo!” como Ali Babá, ou esfregou teimosamente uma lâmpada como Aladim?


As eleições americanas

Não sei se Donald J. Trump será reconduzido a um segundo mandato ou se desta vez as sondagens estão certas ao dá-lo como derrotado nas eleições dentro de 3 dias. O que sei é que Jared Kushner, o genro do Presidente, cumpriu com a ameaça e fez um “full hostile takeover” ao Partido Republicano. O Partido Republicano de 2020 nada tem a ver com o Partido Republicano de 2015. Em 2020, o Partido Republicano abafou e afastou as vozes independentes e está totalmente domado por Trump. É a ninfa Eco, presa a este Narciso que apenas quer saber de si. Talvez o improvável se repita e Trump tenha mais 4 anos de mandato, mas o Partido Republicano ou o que sobra dele terá de se confrontar mais tarde ou mais cedo com a questão existencial: to be or not to be? O que é feito do Partido Republicano que ofereceu à América e ao Mundo presidentes tão brilhantes como Abraham Lincoln, Ulisses Grant, Teddy Roosevelt, Calvin Coolidge, Dwight Eisenhower, Ronald Reagan, entre outros? O Partido Republicano tem uma tradição de defender os interesses americanos, de respeitar as instituições, de privilegiar o poder local sobre o poder central, de querer impostos baixos, despesa e dívida públicas controladas, e forças armadas respeitáveis e respeitadas tanto por inimigos como pelos aliados. Era um partido que usava uma linguagem vibrante mas correcta e agregadora, e que defendia no conteúdo e na forma a decência, a moral e os bons costumes. Era um partido que tentava governar para todos os americanos e para o bem comum, não apenas para alguns e contra os outros. Por onde anda esse partido, alguém o viu? O Partido Republicano faz falta aos EUA e faz falta ao Ocidente. Quando Trump sair, este ano ou daqui a 4, o Partido Republicano terá de reconstruir a sua identidade a partir dos escombros deste terrível período da sua história, tal como fez depois de outro desastre chamado Nixon. Nessa altura, o Partido Republicano terá de olhar novamente para os americanos, encarar esse Rei Xabriar que se sente enganado e voltar a falar-lhe ao coração, encantando-os como Sherazade, contando-lhes boas histórias, reais e que fazem sentido, que dão esperança e fazem sonhar. O Partido Republicano precisa de se encontrar e de desenvolver uma nova narrativa para sobreviver e… viver. Mas se o Partido Republicano quiser continuar em modo Trump, sobretudo na sua forma divisiva de comunicar e de governar, então temo pelo seu e pelo nosso futuro.


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