quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

em defesa da grandiosidade de Portugal

(publicado originalmente no Ingovernáveis)


 A 11 de Novembro foi publicado aqui no Ingovernáveis uma interessante reflexão de João Diogo R. P. G. Loureiro intitulada “Great Again: nota incompleta sobre a «grandeza» dos países”. O texto versa sobre a finalidade dum país, o que dele esperamos e a qualidade da sua resposta. Venho com esta resposta concordar com algumas premissas ali expostas, discordar doutras e, onde posta em causa a grandiosidade de Portugal, defendê-la.

Estou com o clichê: Portugal é um pequeno grande país. Mas tenho de esclarecer a priori que entendo o grande de “great” como grandioso. Quando o presidente cessante dos EUA diz querer tornar a América “great again”, ele não estará a propor conquistar novos territórios ao México ou ao Canadá para aumentar a grandeza do seu país, mas apela à recuperação duma suposta grandiosidade perdida. A grandeza dum país remete-nos para dimensões relativamente tangíveis, apesar dos quilómetros quadrados de terra até serem mais quando a maré está baixa, e da medição de linhas costeiras e fronteiras terrestres serem tão mais extensas quanto menor fôr a régua com que as medimos. Mas a grandiosidade remete-nos para valores inequivocamente intangíveis.

Os Doze de Inglaterra (1966) por Jaime Martins Barata

Embora tenhamos em comum a admiração por Aristóteles, começo como Platão no início d’A República por descer ao Pireu, isto é, proponho sairmos da Acrópole das considerações mais ideais e exigentes para retomarmos o argumento em questões mais comezinhas. Em vez de analisarmos o que é “great” e se nos podemos considerar “great”, gostava de começar por defender a utilidade de sermos ou de nos vermos como “great”. 

Em “After Virtue” (1981), Alasdair MacIntyre sugere que só podemos responder à pergunta «o que devo fazer?» se antes conseguirmos tratar a questão «de que história ou histórias é que eu faço parte?». Eu não escolhi nascer nesta família e em Portugal, no entanto assumo o meu apelido e a minha portugalidade. Como português de Portugal, faço parte duma narrativa com pelo menos 9 séculos de História; como cristão, faço parte doutra narrativa com 2 mil anos de História – e na verdade, essas histórias são ainda mais antigas. Agarro nessa tocha que os meus pais me passam e mantenho-a bem acesa até a entregar aos meus filhos. Mas a história não é perfeita: está cheia de glória e traição, acertos e erros, virtudes e pecados. E como todas as histórias, tem uma trama, problemas para resolver, heróis e vilões. Eu posso escolher não fazer parte da narrativa, poderia abandoná-la e procurar um outro país. Mas então, eu teria um papel a desempenhar noutras histórias e lealdades a forjar noutras comunidades.

Não escolhi nascer português, mas escolho continuar português. Portugal tem a história grandiosa dum país grandioso. É discutível? Sim, e poderíamos concentrarmo-nos em falhas e acidentes de percurso, aos quais prontamente contraporia com um rol já conhecido de feitos fantásticos. Mas essa discussão sói ser um beco sem saída, de interesse relativo. Este País, que tem a felicidade de ser também um Estado e uma Nação, tem uma cultura riquíssima que não só não renego, como assumo com orgulho. A grandiosidade dum país não serve para se medir com a doutro e ver qual deles é o maior, mas é útil para ver se é o melhor para mim e até que ponto me identifico com aquela comunidade e se posso contribuir na construção do seu Bem Comum. O meu país, a minha família, a minha comunidade, são os melhores do mundo para mim. A grandiosidade de Portugal até pode ser chamada de mito, porém o mito é uma história simbólica baseada em factos e características reais do povo português, que nos permite ler a realidade e compreender o nosso papel e missão na História. Mais que aferir se Portugal é realmente “great”, interessa-me reconhecer que a ideia dum Portugal “great” dá propósito e sentido à minha vida em sociedade. Tanto quanto melhor reconhecer a bondade do meu país, mais me sinto obrigado a corresponder aos meus compatriotas. É certo que para aceitar Portugal no seu todo, tenho de ser consequente e reflectir sobre alturas em que o país atravessou “profundas injustiças económicas, sociais ou culturais”, mas penso que seria um erro fazer depender a grandiosidade dum país apenas de critérios contemporâneos.

Os critérios de grandiosidade terão de ser outras virtudes. Um caso paradigmático é o do General Robert E. Lee que comandou as forças confederadas na Guerra Civil Americana. Hoje é consensual que a União liderada por Abraham Lincoln e Ulysses Grant estava do lado certo da História, mas será correcto negar todo o valor ao General Robert E. Lee e a tantas pessoas por terem estado do outro lado que perdeu? O General Lee não tinha escravos, era contra a escravatura e não queria a secessão. No entanto, diante da inevitabilidade da guerra, preferiu estar do lado confederado porque considerou que devia lealdade em primeiro lugar ao seu Estado da Virgínia e não concebia a hipótese de erguer armas contra os seus familiares e vizinhos. Apesar de estar do lado errado da guerra, a atitude do General Lee merece a nossa admiração e parece-me que o seu sentido de comunidade é, apesar de tudo, um excelente candidato à categoria de “great”.

O recontro de Valdevez (1916) por Jorge Colaço

Voltando ao título deste artigo, Portugal é grandioso. Não tenho dúvidas que é. Talvez o título induza o leitor em erro, pois não me detive muito no porquê e mais na utilidade de o ser. Podemos olhar para Portugal e dizer como Agostinho da Silva que a Galiza é a noiva que connosco ficou por casar, ou podemos pensar em Eduardo Lourenço e supor que estamos, ainda e continuamente, sempre a caminho da Índia, como se esse fosse o maior contributo que demos ao Mundo – e essa, já ninguém nos tira. Podemos olhar para as presentes misérias e lamentar o nosso triste fado, ou olhar para o fim do nosso império e para a transferência gradual da nossa soberania para Bruxelas e acharmo-nos presos na cauda da Europa e limitados na capacidade de nos realizarmos enquanto país. Mas apesar de tudo isso, se amarmos Portugal, estamos a reconhecê-lo como grande no nosso coração e, então, estamos a cumpri-lo. Resta-me remeter para Luís de Camões, que cantou não só como fomos “great” nos feitos até ao século XVI, mas leu a grandiosidade da alma deste povo que, na essência, até hoje não mudou. E se podemos divergir em perspectivas políticas sobre a igualdade, a liberdade e a justiça, não me parece difícil concordarmos com o princípio que só com um grande povo é que se faz um grande país.

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