segunda-feira, 16 de outubro de 2023

O erro de Robin dos Bosques

(originalmente publicado no Jacaré Parado Vira Mala)

Quem não gosta do Robin dos Bosques? A história passa-se na Inglaterra medieval e tem os problemas típicos da literatura romântica: há a donzela em apuros, há o xerife cruel, os pobres e famintos, um príncipe que conspira contra o rei seu irmão… e um herói que resolve todos os problemas com a pontaria do seu arco e flechas, ajudado por valentes amigos como Frei Tuck, João Pequeno e Will Scarlet. Escondidos na floresta de Sherwood, Robin dos Bosques e o seu bando vão resistindo à tirania de João Sem-Terra e sabotando as tentativas do xerife e do príncipe de se aproveitarem da ausência do rei Ricardo Coração-de-Leão que, entretanto, ajudava os cruzados em Jerusalém. Os valores estão todos certos: valentia, patriotismo, solidariedade, fé e amizade. Em Sherwood, Robin e os Merry Men caçam livremente, não pagam impostos, roubam os tesouros do príncipe e as colectas do xerife. Mas não o fazem para enriquecimento próprio, não! Eles roubam os ricos para dar aos pobres, assim nos é contada a história. Mas como tudo acaba com o regresso do rei da Terra Santa e a frustração das más intenções do seu irmão e do xerife, quase não temos tempo para imaginar Robin dos Bosques e os seus amigos a saírem da floresta para voltar à normalidade das suas vidas. É que, uma vez reposta a justiça e a paz, já não faz sentido eles continuarem a roubar.

Errol Flynn em "The Adventures of Robin Hood" (1938)

No entanto, a ideia de tirar dinheiro aos ricos para o redistribuir pelos pobres vingou. Sobretudo desde o crash de Wall Street em 1929 que o Estado assumiu o papel de Robin dos Bosques. Lembra-se que Robin dos Bosques, fora-da-lei, roubava as autoridades? Pois a autoridade, dentro da lei, fez nas últimas décadas aquilo que uma futura líder partidária tão bem resumiu: “perdeu a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”. Nestes quase 95 anos, os impostos aumentaram e tornaram-se progressivos um pouco por todo o mundo, as dívidas públicas galoparam, o Estado engordou e a liberdade económica das famílias enfraqueceu. Chegámos aqui com as experiências do comunismo no falido mundo soviético, com as experiências americanas do New Deal que desnecessariamente agravou a Grande Depressão e prolongou-a até à II Grande Guerra, com os sucedâneos socialistas e sociais-democratas, com as ideias rawlsianas de justiça distributiva e redistribuição da riqueza. Claro que há aplicações que apreciamos desse dinheiro, sobretudo a nível de saúde e educação. Mas olhamos para os públicos e para os privados com a pergunta: será o Estado o melhor gestor e executor desse dinheiro? Este afã do Estado tirar aos ricos para dar aos pobres nunca desapareceu, nem entre nós mostra sinais de abrandamento. A ideia subjacente é de algum modo utilitária: a subtracção daquele dinheiro ao rico causa-lhe menos mossa que o maior alívio proporcionado ao pobre que o recebe.

Voltemos à floresta de Sherwood. Quem no século XII viesse do Norte em direcção a Nottingham, chegava a Blyth e tinha duas opções: ou atravessava a floresta de Sherwood em poucas horas, ou ia por outro caminho e demorava mais um dia. Os mercadores de Sheffield, de Leeds ou de York teriam de pesar muito bem as hipóteses: vou pelo caminho da floresta e chego lá em poucas horas mas arrisco-me a ser roubado e a ficar sem nada; ou então vou à volta por um caminho mais seguro, mas tenho de gastar dinheiro numa estalagem para dormir, mais refeições para mim e ração para os meus cavalos. Se for grande o risco dos mercadores serem assaltados pelo bando de foras-da-lei da floresta de Sherwood, naturalmente eles escolhem o caminho mais longo e seguro. Porém, a consequência é que o preço das suas mercadorias iria aumentar para cobrir os gastos adicionais. Nessa situação, todos os seus clientes perdem poder de compra. E se as mercadorias forem bens de primeira necessidade, como alimentos e roupa, quem irá sofrer mais com esse aumento de preços serão… exactamente, os mais pobres.


A Floresta de Sherwood e Nottingham

Vamos esquecer por um momento a questão política entre os partidários de João Sem-Terra e os partidários de Ricardo Coração-de-Leão. Foquemo-nos apenas na questão económica. Os assaltos de Robin dos Bosques na floresta de Sherwood são para roubar os ricos e dar aos pobres, mas na verdade estes assaltos tornam a vida dos pobres mais difícil. Os preços aumentam para todos, o que tem especial impacto junto dos pobres. Aquilo que os pobres recebem de graça acaba sendo também um incentivo para não trabalharem tanto ou até de todo. Os mercadores e os produtores recebem o incentivo para produzir menos ou até parar. Ricos e pobres, todos ficam mais pobres. A economia encolhe. Havendo menos comércio, há menos colecta de impostos. Mas as contas do Estado não encolhem, então sobem os impostos e, novamente, os preços. Quem mais sofre com isto é, já sabemos, os pobres. Para além do incentivo a produzir menos, existe também um incentivo ao desenvolvimento de um mercado paralelo não taxado. Este ambiente propício à fuga aos impostos prejudica a sociedade como um todo e contribui para o círculo vicioso de crise.

A ideia de Robin dos Bosques é literariamente interessante, mas politicamente prejudicial – tanto a ricos como a pobres. Poderemos discutir outros métodos para evitar que ninguém caia na miséria de uma vida sem condições de dignidade. Sem dúvida que deve haver uma rede de segurança para evitar essas situações e ajudar as pessoas que caiem a relançarem-se na vida. Não devemos é fazê-lo sem questionar a validade política e a sustentabilidade económica do princípio de Robin dos Bosques.

AVC

Sem comentários: