segunda-feira, 20 de março de 2017

a imoralidade da dívida pública - JPVM



(Texto originalmente publicado no "Jacaré parado vira mala" no dia 04.01.2017)


Se Deus quiser, o meu segundo filho há-de nascer em Maio ou Junho deste ano. Cá em casa estamos muito contentes, a sua Mãe, Pai e Irmã mais velha. No entanto, li anteontem uma notícia que me inquietou: apesar de uma redução que é de saudar embora seja pontual, a dívida pública do Estado ainda anda na ordem dos 241,8 mil milhões de euros - dados relativos a Novembro de 2016. Vamos ter esse valor em conta mesmo sabendo que o contador da dívida pública Portuguesa não cessa de aumentar. Sabendo que somos 10,5 milhões de Portugueses para pagar a conta, isto bem dividido entre todos dá cerca de 23 mil euros a cada um. Mesmo o meu querido filho que não tem culpa alguma nesta conta, já tem a responsabilidade de a pagar. Graças aos sucessivos governos de esquerda e de direita, muitas vezes até arvorados em patriotas, o meu filho nascerá não com um mas dois pecados originais: o herdado de Adão e Eva; e o de mim só pelo facto de ser Português.

Qualquer bebé que nasça no nosso país, nasce já endividado até à ponta dos cabelos que ainda não tem. E os políticos que se deixaram seduzir pela máxima de John Maynard Keynes ("no longo prazo todos estaremos mortos") são aqueles que se esquecem que depois de nós vêm outros como nós, e por isso sentiram-se à vontade para delapidar as riquezas do país e montar esquemas socialistas de dependência das pessoas em relação aos inúmeros subsídios estatais. Se a isso juntarmos um conjunto de obras públicas megalómanas e contratos ruinosos para o bem público, e se considerarmos as vezes em que os Governos decidiram ir além do seu papel, chegamos a um estado de coisas em que o Estado e nós vivemos já não à custa dos nossos pais, mas à custa dos nossos filhos. Sobre eles recairá o encargo de pagar por todas estas escolhas que se fizeram e continuarão alegremente a fazer enquanto houver quem nos empreste mais dinheiro.

Trata-se de um optimismo descontrolado, fazendo fé de que tudo se resolverá no futuro, naquele longo prazo em que todos estaremos mortos. Mas essa crença tem-se vindo a revelar muito imprudente e de uma irresponsabilidade histórica atroz, com consequências já à vista. Logicamente, a geração dos meus filhos não será a primeira a acartar com os sacrifícios. Penso que as pessoas que estão na casa dos 20 a 40 anos - e que portanto têm mais de metade da sua vida profissional contributiva pela frente - não irão receber reforma. O dinheiro que emprestaram ao Estado gastou-se todo, e os nossos poucos filhos (cada vez menos numa sociedade com a pirâmide demográfica invertida) irão talvez ter capacidade de pagar um pouco mais da dívida pública e a subsistência de alguns serviços mínimos do Estado nas áreas da Justiça, Saúde, Educação e Administração Interna. Mas de qualquer forma estou convicto que não pagarão as nossas reformas, seja porque não podem ou porque legitimamente não querem.

Eu assumo sem problemas que não irei receber qualquer reforma, e a ideia é poupar a contar com essa realidade, se possível. Mas por favor, senhores, não façam com que esse esforço seja vão. Temos de adoptar medidas fortes, inclusivamente protecções a nível constitucional, que obriguem os governos futuros a reduzirem a dívida pública todos os anos, proibindo-os de agravar a dívida e os juros ainda mais. Não podemos continuar a eleger aqueles que se limitam a empatar jogos, iludindo os espectadores que se pode ganhar só com alívios toscos da defesa quando a bola nos chega à grande área. E assim tem sido a alternância governativa em Portugal nos últimos anos: governos estáveis, duradouros, que de vez em quando são substituídos por outros governos igualmente keynesianos.

A grande imoralidade da dívida pública é que nos torna cada vez mais dependentes dos credores, fazendo de Portugal um país menos independente e que caminha para um estado agravado de insignificância. Os Portugueses são pessoas que a curto e médio prazo terão gravíssimos problemas de solidariedade intergeracional com a falência do Estado social e as famílias mais frágeis que nunca.

No meu entender, a dívida pública é o nó górdio dos nossos tempos. Ainda hoje o Ministro dos Negócios Estrangeiros disse que "é incontornável a Europa debater o endividamento excessivo que penaliza tantas economias", no entanto considerou que "falta momento e impulso político para discutir as propostas". É sem dúvida incontornável debater o endividamento excessivo senhor Ministro, mas por favor não espere pela Europa para o fazer, nem tão pouco se desculpe com a suposta falta de momento e impulso político. De que nos serve que o senhor ocupe essa cadeira se não é sequer capaz de tomar essa iniciativa? E não é só a difusa economia que a dívida pública "penaliza", esta situação vitima pessoas muito concretas e hipoteca o futuro do nosso país, o nosso e o da nossa descendência. Mas enfim, já é qualquer coisa que o senhor traga este assunto para cima da mesa.

Antes disso, pareceu-me bastante mais completa a proposta que Rui Rio apresentou no passado mês de Dezembro, no sentido de fazer um novo imposto que serveria apenas para pagar a dívida pública mas que não significasse um aumento da carga fiscal. Este tipo de informação permitiria que as pessoas ganhassem maior consciência de quanto devemos enquanto País e quanto cabe a cada um pagar, fiscalizando melhor os políticos e a carestia das suas ideias. Agora urge é debruçarmo-nos sobre esta questão para a tentar resolver de uma vez por todas.

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