Nota de trabalho sobre
Os dois fins do casamento
por Monsenhor Michel Schooyans
Professor emérito da Universidade de Louvain
Louvain-la-Neuve, Bélgica, Março 2015
A segunda sessão do Sínodo
sobre a família está próxima. Por
ocasião dessa sessão serão rediscutidas três questões entrelaçadas: aquelas da união conjugal, do casamento e a
família. Chegamos de fato a uma época da
história da humanidade na qual, sem dúvida pela primeira vez, assistimos a um
questionamento radical do casamento e da família. O alvo visado é o casamento e a família, com
a sua dupla finalidade: o fim unitivo e o fim procriativo da união do homem e
da mulher. Sua destruição desemboca na desagregação de toda a
sociedade humana. É toda a família
humana que é agora atacada, abalada, desnaturada pela ação de correntes
ideológicas hostis.
Fabricar crianças?
A mais evidente dessas correntes
complexas é a corrente hedonista que, na
união conjugal, separa o fim unitivo do fim procriativo.
Por um lado, essa corrente exalta
unilateralmente certos modos de ação e de comportamentos unitivos no casal,
excluindo os comportamentos procriativos.
A dimensão unitiva insiste no prazer e no individualismo
hedonista e utilitarista. Vejam o que
acontece com a contracepção. Não há mais
abertura ao outro, não há mais reconhecimento da identidade do outro, da
diferença que me distingue do outro. Cada um quer fazer aquilo que tem vontade
de fazer. É o recuo identitário
do mesmo sobre ele-mesmo: a contracepção tranca a relação com o outro.
Por
outro lado, a dissociação, a separação entre os dois fins do casamento,
escancara a porta à exaltação unilateral da finalidade procreativa, excluindo os efeitos
unitivos. Considera-se então que suscitar a vida é uma
questão de técnicas e que o enlace amoroso entre homem e mulher não tem nada a
ver com isso.
Esses comportamentos unitivos e essas
técnicas procrativas podem eventualmente ser controlados pelos poderes
públicos. No limite, corremos o risco de
logo nos encontrarmos em uma sociedade onde não haverá mais lugar para um amor
responsável. Se for o caso, os pais
serão despojados de toda autoridade, de todo direito e de todo dever diante de
suas crianças. Porque não poderiam estas
serem confiadas à educação, a qual aliás os poderes públicos se arrogam o
monopólio?
A dissolução voluntarista dos dois
fins da união conjugal é o ponto focal tocado em 1968 pela encíclica Humanae
vitae (ver o número 12), pela exortação sinodal Familiaris consortio (1981) e
por numerosos documentos magisteriais entre os quais a instrução Donum vitae
(1987) e o estudo Família e procriação humana (2006). Se chegarmos a separar os dois fins da união
conjugal, e do casamento que sela essa união, tudo pode resultar dessa
dissociação provocada e radical.
Uma vez que exaltamos unicamente o fim
unitivo, rapidamente chegamos a toda sorte de práticas sexuais:
homossexualismo, lesbianismo, fornicação, etc.
Não há mais lugar para a fidelidade, pois o que importa unicamente é o
prazer, o interesse de cada indivíduo.
Esse homem não é mais uma pessoa, um ser capaz de se abrir livremente a
uma outra pessoa; é um indivíduo que busca seu próprio gozo.
Se ao contrário exalta-se unicamente o
fim procriativo, chega-se a outras consequências, entre as quais, por exemplo,
a procriação medicamente assistida, a gestação por terceiros, a tecnização da
transmissão da vida a ponto de chegarmos à modificação genética do ser
humano. O homem não se constrói mais em
um lar de amor. Não há mais maternidade,
nem paternidade; por conseguinte, não há mais filiação nem consangüinidade. Com
a chegada do anunciado útero artificial, logo não será mais necessário que a
mulher abrigue uma criança em seu seio.
Todos esses processos são
evidentemente o resultado de experimentos longos e complexos. Os abortos fazem-se “necessários” para
resolver os “insucessos”. Um exemplo de
insucesso? A intolerável chegada de um
ser que não se quer, precisamente em nome da exaltação unilateral do fim
unitivo. Assim, os embriões produzidos
in vitro e depois implantados serão seguidos de perto durante sua gestação. Se anomalias forem assinaladas, serão
abortados. Lembremos aqui que os casos
em que se assinalam anomalias são mais frequentes nas fecundações in vitro do
que nos casos de fecundações naturais.
Por outro lado, um número excedente de embriões é especialmente
“inevitável” para a experimentação com células tronco embrionárias.
Sob a pressão das ideologias
hedonistas, crianças são geradas proporcionalmente aos prazeres dos parceiros,
às necessidades da sociedade, tais como estas são definidas pelos “sábios”, por
economistas, por demógrafos, por políticos ou por tecnocratas com forte
impregnação ideológica. A seleção
está inscrita nessa tecnização; está na lógica da ideologia liberal selecionar:
o produto deve ser impecável, senão será enviado ao descarte. Conhecemos a seleção racial; aqui o que
conta, é a seleção política, econômica, a qualidade do produto fabricado. O homem e a mulher se alienam: transferem
para máquinas e para encubadeiras a fabricação de crianças. Eventualmente a criança, o produto fabricado,
poderá ser comprado, vendido ou escolhido em catálogo.
Assim como deve haver o aborto “seguro”, deverá também haver a
procriação “segura”. É preciso “liberar” a mulher de sua capacidade de
procriar porque a procriação natural é muito arriscada. Atualmente, muitas mulheres não têm filhos
porque a procriação é tida como não-segura.
Assim, abre-se o caminho ao
prolongamento de uma vida gozosa e livre das constrições conjugais e
parentais. A transmissão da vida não se
fará mais segundo uma perspectiva humana; ela obedecerá a planejamentos
ideológicos. Enfim, na outra ponta da
vida, teremos em breve a eutanásia de massa.
O que está em jogo no trans-humanismo.
Esses são alguns dos pontos em jogo e
que podemos observar nos debates atuais sobre o trans-humanismo: as novas
técnicas – asseguram-nos – oferecem aos homens meios que permitem dispor dos
corpos e fabricar super-homens.
Desculpem a modéstia! Resumindo, assistimos à impulsão de um novo
eugenismo e mais precisamente à construção de novas espécies “humanas” modificadas
geneticamente e hibridificadas com máquinas.
Uma tal hibridização entre o corpo vivo e a matéria morta é
irreversível. Assistimos à destruição
irreversível da integridade do corpo humano.
Decididamente, a cultura da morte se espalha por toda parte...
Hoje em dia, mesmo em certos
estabelecimentos hospitalares que se dizem católicos, praticam-se intervenções
tais como o aborto, as procriações medicamente assistidas, as pesquisas com
embriões, sem esquecer a eutanásia, etc.
Quantas vozes, no laicato, o clero e no episcopado, erguem-se em um
convite a se reconsiderar essas práticas?
Diante desse mutismo, é preciso fazer valer o caráter indissociável
entre os fins da união conjugal e o casamento.
Com efeito, é a separação entre os dois fins que escancara a porta aos
múltiplos desvios que hoje conhecemos.
Os efeitos perversos da separação entre os dois fins do casamento vão
muitíssimo além da esfera íntima onde essa separação tem início. Aqueles que atacam à Humanae vitae, à
Familiaris consortio, à Donum vitae e aos outros documentos magisteriais devem
ter farejado que, no ensinamento da Igreja não basta destacar porque a Igreja
recusa a contracepção e o aborto, nem porque a Igreja recusa a ideologia do
gênero; essa ideologia não é senão um dos avatares da dissociação de que
tratamos. É preciso então colocar em
evidência que uma vez admitida a separação entre os dois fins da união
conjugal, abrem-se sem nenhuma rede de segurança todas as possibilidades
oferecidas pelas técnicas e asseguradas pelo direito,.
Quanto aqueles que, na Igreja,
batalham para que esse cisão seja admitida, devem saber que correm o risco de
provocar um cisma do qual deverão prestar contas a Deus e aos homens.
O Terror,
ontem e hoje
A discussão aqui travada não diz respeito
unicamente aos cristãos de hoje e seus adversários. As correntes individualistas que se
encontram na origem dos desvios que
acabamos de evocar, desenvolveram-se inicialmente na Inglaterra, sempre líder
intelectual nessas matérias, depois nos Estados Unidos, estrategistas do
eugenismo mundial e país onde os médicos fazem morrer, sem que isso suscite
discussão. Em igual medida, essas
correntes se difundiram a partir da Alemanha.
Recordemos ao menos que foi nesse país que se difundiram e foram postas
em prática as ideologias celebrando o racismo e o eugenismo, bem como a
eutanásia.
Ora, essas mesmas correntes
desenvolveram-se sobretudo na França a partir do Século das Luzes. É a partir da França que se forma, se desenvolve
e se exporta uma poderosa corrente exaltando o indivíduo, o “sujeito”, sua
razão, sua liberdade, seu direito ao prazer, suas paixões. A França tornou-se a portadora mundial da
tocha da laicidade republicana. Segundo
diferentes impostações, a religião revelada é rejeitada. O homem progride,
garantem-nos, apoiando-se tão somente na sua razão e na sua experiência;
deve-se dar lugar à religião civil ou ao ateísmo. As paixões devem estar ordenadas à
maximização do leque de voluptuosidades.
O direito ao prazer erótico, levado certas vezes ao paroxismo do direito
a destruição, é reivindicado e confortado pela rejeição de Deus. De seu calabouço, ao divino marques não
faltou audiência e conseguiu garantir sua posteridade.
Ora, após ter-se matado Deus ou agindo
como se Deus não existisse, torna-se difícil encontrar um fundamento ao
direito. É essa uma das maiores
dificuldade do iluminismo, versão francesa.
Desde o século XVIII, uma fração significativa e atuante da
intelligentsia francesa esforçou-se, em nome da liberdade, de dar ao Terror um
lugar na vida pública. Com uma
obstinação acachapante, os manuais de história politicamente corretos
transmitem de geração em geração a vulgata revolucionária.
Não obstante, impõe-se uma revisão
dessa vulgata, ainda que essa revisão seja perturbadora. A mídia e a opinião pública recentemente
ergueram-se, e com razão, face às decapitações e outros atos de barbárie
ocorridos na área de influencia do islã integrista. Porém, é desonesto ocultar, como se faz nas
arengas politiqueiras e nos manuais escolares, que foram os senhores da
guilhotina a guilhotinar em série e a exportar sua técnica aprimorada. Esse desvio cruel observa-se ainda hoje. Orgulhosos de sua ascendência voltairiana, as
forças da laicidade agitam como lúgubre troféu a marca de 200.000 abortos por
ano na França. O terrorismo
revolucionário instalou-se de modo duradouro, em nome da liberdade. Querendo ir muito além do necessário, a
França não deixa passar a ocasião de se autoproclamar “Pátria dos Direitos do
Homem”, um erro histórico grosseiro mas útil à causa de um messianismo
arrogante.
A questão do
mal, hoje
Na atual situação, a questão do mal se
coloca como jamais se colocara antes. É
verdade que há tentativas notáveis de se analisar o mal tal como se apresentou
nas grandes ideologias totalitárias do século XX. Frequentemente se invocou uma perturbação da
razão. Mas hoje, em nome de uma
perversão da verdade, desde já desnorteada, somos confrontados a uma tentativa
sem precedentes na história da humanidade: aquela de destruir a própria
humanidade, de destruir a capacidade que o homem tem naturalmente: a capacidade
de amar. Recusa de tomar consciência do plano de Deus para o homem! Essa destruição leva por fim à destruição do
corpo do homem pela destruição irreversível de sua integridade genética. É o maior drama da história da humanidade.
Não faz muito tempo, Hilary
Clinton pediu a ONU que o direito ao aborto fosse proclamado em escala
universal. Vejam a perversão que
espreita o direito: como podemos reduzir um ser humano a um objeto do qual se
pode dispor até a destruição? Um ser humano é para ser acolhido,
respeitado: não é objeto de um direito; os juristas dizem que ele não está
disponível. Eu tenho direito de comprar
pão, um automóvel ou uma casa. Mas não
tenho direito, eu que sou um ser humano, de matar alguém de eliminar outro ser
humano. Ora, a partir da dissociação
entre os fins, não importa o que passa a ser não somente legalizável, mas até
mesmo legal; o próprio direito se vê desnaturado. No torvelinho dos acontecimentos, a medicina
é também pervertida, uma vez que em lugar de procurar curar, melhorar a saúde, suavizar os sofrimentos, consente em se
colocar a serviço da morte, tanto antes quanto depois do nascimento. Na Bélgica, por ocasião do debate sobre a
eutanásia de crianças (em 2014), legiferou-se: a lei passou sem problemas; não
houve senão alguns protestos, enquanto que, o que está em jogo em todos esses
debates é o próprio futuro da humanidade.
Proteger a moral natural
Todas essas questões novas não podem
ser resolvidas por uma casuística como esta aqui: “Em tal caso pode-se abortar,
em tal caso não se pode; em tal caso se pode praticar eutanásia, em tal outro
não”. Limitamo-nos a decidir casos
pontuais de consciência sem nos referirmos aos princípios fundamentais da
moral. Essa casuística é de certo modo
precursora da moral de situação. O que é
preciso é ir verdadeiramente à origem do problema e reencontrar, na destruição
dos fins do casamento, as raízes da ação de Satã, hoje, na história da
humanidade e no coração dos homens.
Convém ainda acrescentar uma reflexão
a propósito da casuística que viemos de mencionar. A Igreja se encontra em uma situação
espantosa. Altos prelados, vindos
sobretudo das nações opulentas, se empenham em introduzir modificações na moral
cristão referente aos divorciados-recasados e a outras situações problemáticas
das quais algumas delas foram citadas aqui.
Esse Guardiões da Fé não deveriam contudo perder de vista que o problema
fundamental colocado pela destruição dos dois fins do casamento é um problema
de moral natural. É no plano natural que
o homem e a mulher são chamados a se unirem para testemunharem o afeto e para
procriarem. É essa a realidade natural
que o Senhor elevou à dignidade de um sacramento. Diante das potencias que abalam atualmente a
família, a Igreja deveria descobrir sua vocação de ser a única instancia à
altura de salvar a sexualidade humana e a instituição natural do casamento e da
família. Não se trata apenas de salvar a
moral cristã; é preciso salvar e proteger a moral natural. Não é possível que, por meio de procedimentos
casuísticos capciosos, católicos de todos os estratos e de todas as idades
contribuam à destruição da moral natural.
Os grandes desvios surgiram quando certos intelectuais católicos
começaram a dizer e a escrever: “Sinal verde para o aborto, para as uniões
homossexuais, para a eutanásia, etc.”.
Ora, a partir do momento em que os católicos surfam essa onda fatal,
contribuem para a destruição da instituição natural do casamento. É toda a
comunidade humana que se vê cindida com essa nova “traição dos clérigos”.
Vale a pena levantar aqui uma questão
chave: o Magistério da Igreja é competente para modificar a moral natural? Uma redução da moral natural a uma
moral puramente casuística leva certos teólogos e certos pastores a caucionarem
a redução do direito fundado na natureza do homem. Por
ocasião de um processo recente e muito divulgado pela mídia, comentou-se
repetidamente que o direito nada tinha a ver com a moral. A partir daí, não há direito senão o direito
puramente positivo, originário da vontade isolada do legislador. Nesse ultimo caso, não há mais direito que
fosse inato ao homem pelo simples fato de ser homem. Não haveria senão os direitos definidos pelas
instancias politicas nacionais, internacionais e mundiais. É de se ter calafrios pensar que a
generalização de um direito assim prenunciasse a instauração de uma sociedade
“global”, isto é mundial, teleguiada pela vontade dos mais fortes.
Resumindo, em vez de proteger a célula
familiar da sua detonação, da sua fissura, o próprio direito se coloca a
serviço da destruição da pessoa e da família.
O papel do direito não é, ao contrário, proteger o núcleo conjugal,
familiar e os frutos que dele decorrem, a saber, os filhos?
A recepção dos ensinamentos pontificais
O beato Paulo VI conheceu
incompreensão e rejeição quando da publicação da encíclica Humanae vitae,
encíclica que o fez tanto sofrer, antes como depois de seu aparecimento. Dissera: “Vocês ainda me agradecerão por ter
publicado esse documento”.
São João Paulo II retomou esse ímpeto
profético com seu engajamento em favor dos mais pobres e dos mais
vulneráveis. Daí seus repetidos apelos
para que se pusesse um fim à banalização do aborto e à sua legalização. Nas intervenções posteriores de João Paulo
II, foram examinadas outras questões cruciais.
O papa aborda ali, entre outras,
as politicas de controle de nascimentos, especialmente nos países do
terceiro mundo. Menciona também o
aumento da esperança de vida do nascituro, principal causa do envelhecimento da
população, envelhecimento que por sua vez, é invocado com vistas à legalização
da eutanásia. Estamos portanto diante de
um conjunto de problemas emaranhados aos quais as pessoas estão mais e mais
atentas, ainda que estejam frequentemente pouco ou mal informadas, como mostram
as discussões nos países ocidentais sobre as adequações a serem feitas na idade
da aposentadoria.
São João Paulo II exprimiu no rosto,
no seu comportamento, sua ação, seus discursos, pelas suas encíclicas, por toda
sua maneira de ser que foi um mediador entre Deus e os homens. Em todo lugar que foi no mundo, foi percebido
como um enviado de Deus, mesmo entre os não cristãos. Era um ícone vivo de Deus entre os
homens. Deu aos homens a confiança necessária para que as pessoas se engajassem
no serviço à vida e à família. São João
Paulo II é o papa que terá salvado a família, que terá salvado incontáveis
vidas humanas com a potencia da sua palavra.
Desse ponto de vista, São João Paulo II aparece no primeiro plano das
figuras carismáticas da Igreja contemporânea.
Tinha efetivamente um contato extraordinário com os homens, as mulheres,
as crianças de todos os meios. Mas
aquilo que mais nos retém a atenção, é sua determinação em salvar a vida e a
família. Ele mobilizou as pessoas e
os casais suscitando-lhes a audácia de
lançarem-se à aventura de serem pais, de acolherem a vida, de serem
profissionais da ternura.
Será preciso que a Igreja retorne à
Humanae Vitae de Paulo VI, bem como aos ensinamentos de João Paulo II e de
Bento XVI sobre essas questões. O papa
Francisco permanece na trilha de seus predecessores cada vez que sublinha a
coincidência entre o Evangelho do amor e o Evangelho da alegria. Será preciso fortalecer o peso
magisterial de todo esse ensinamento,
colocar em relevo sua coerência e
proteger esse tesouro contra os predadores.
A conversão do coração
Não é pretendendo modificar o homem ou
“melhorá-lo” por meio de técnicas arriscadas que se irão elevar os indicadores
de justiça, de bem estar e de felicidade.
As técnicas disponíveis
atualmente se lançam rumo a lugar nenhum; cedem o leme ao sonho. A utopia está em vias de assumir o comando do
mundo mas não resultará em nada. Ela
necessita da ideologia para convencer o homem da “legitimidade” da
transgressão. As utopias cientificistas
ou politicas de hoje não fazem senão espelhar a enésima sociedade ideal. Pretendem que para alcançar esse fim seja
preciso modificar o homem ou reconstruí-lo.
Sem essa modificação do homem, a construção da sociedade ideal estará
bloqueada. Segundo essa lógica,
os cristãos serão desprezíveis se recusarem aderir a esse projeto; devem ser
perseguidos.
Ora, o homem de hoje deve se libertar
dessas armadilhas ideológicas que o confinam em novas escravidões. O que é preciso é restaurar o respeito
devido ao homem. É preciso chamar o
homem à conversão do coração para que possa abrir-se aos valores verdadeiros e
engajar-se no seu serviço. Essa
restauração do homem implica uma etapa preliminar: é preciso desmascarar as
armadilhas prometeicas e tornar manifesto o peso de pecado que elas injetam em
nossas sociedades. Será preciso também
adotar uma visão prospectiva da sociedade e da biosfera, pois as duas, homem e
biosfera, só serão salvas juntas.
Essa reapropriação do homem por ele mesmo
permite que se tomem hoje medidas em função da sociedade que se quer
construir. É o que nos ensinou a
prospectiva. Cristã ou não, a moral não
pode mais se satisfazer com a previsão que vê no futuro uma simples
extrapolação do presente. De
fato, no caso da previsão, o futuro previsto está determinado; ele escapa à
responsabilidade moral. A prospectiva por sua vez, considera que esse
futuro a se construir não é o objeto de um sonho; é ele que determina o
presente e faz da decisão um ato moralmente responsável.
Levar a
esperança ao mundo
Dessas novas escravidões o homem não sairá
se não voltar a ser senhor de si, reafirmando sua capacidade de discernir e
decidir. Prever o futuro como mera
extrapolação do presente, como seu prolongamento, não é de modo nenhum
suficiente para dar sentido à ação. Uma
concepção previsionista do futuro não abre espaço algum à decisão livre e
responsável, pois o futuro já está ali determinado. A moral da responsabilidade nos convida a
agir no mundo de hoje tendo em vista um mundo melhor que desejamos preparar
para os jovens de hoje. Toda moral
referente à sexualidade humana e a família deve dirigir sua reflexão para o
longo termo. O futuro que preparamos
para as gerações que virão depende da qualidade das decisões que tomamos – ou
não tomamos – hoje. Os pobres e as
crianças são nossos senhores. Devemos
com eles nos preocupar. Somos por eles responsáveis. Devem poder segurar a mão que lhes estendemos
para levá-los da morte à vida. A
prospectiva deixa um amplo espaço de livre decisão e assim de abertura aos
valores hierarquizados. Ela mobiliza a
vontade; convida ao engajamento; comove o coração diante de todas as misérias
sobre as quais o homem, se quiser, pode agir.
Certamente todos os temas abordados
pelo sínodo da família merecem ser discutidos.
Mas a Igreja corre o risco de se perder se exaltar as previsões
delirantes em lugar de oferecer à sociedade humana a mensagem de esperança que
o Senhor lhe confiou e que ela tem, por mandato, de levar às Nações.
Michel Schooyans
Tradução:
Rui A.C. Costa
(Recebido por correio electrónico gentilmente
enviado pelo Rev. Padre Nuno Serras Pereira - blog)
Sem comentários:
Enviar um comentário