quinta-feira, 21 de maio de 2009

os dois noivos que a vida separou

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Galiza, Catalunha, Navarra, Andaluzia, Bascos, Levantinos, ao correr da história, pouco mais do que escravos de escravos: porque escravidão, no fim de contas, pelo que respeita a degradação humana, age para os dois lados, para o lado do opressor e para o lado do oprimido. Com uma grande vantagem a favor das regiões periféricas: é que, vencidas, jamais se submeteram; e, no momento oportuno, se poderão comportar como nações livres [livres, do centralismo castelhano] que jamais renegaram a sua liberdade e jamais, abandonando seus mortos, desistiram da luta.

E aqui, ao que me parece, se insere a grande façanha de Portugal. O que Portugal fez de maior no mundo não foi nem o descobrimento, nem a conquista, nem a formação de nações ultramarinas: foi o ter resistido a Castela. O ter mantido, através de sangue e fogo, o princípio de independência dos territórios periféricos. E o ter mostrado, naquilo que cabia em suas forças, e mais do que isso, porque verdadeira história só se faz assim, naquilo que estava muito para além de suas forças, de que modo uma Espanha [em sentido amplo, de Península] livre e convivente poderia ter transformado a face do mundo.

[...]

Por ter garantido a possibilidade, pelo menos em amostra, de arquitectar o que teria sido um universo verdadeiramente católico, vejo eu Aljubarrota como a maior batalha da história, a par daquela outra em que Constantino venceu Justiniano. Não apenas por isso, no entanto. Mas igualmente porque é só em Portugal que as outras nações da Península podem ver uma esperança e um ponto de apoio para uma futura liberdade.

[...]

Só que, por fatalidade, e logo desde o começo, faltou a Portugal, para uma plena acção, a companhia e a integração de seu complemento natural para os lados do Norte.

[...]

Mas tempo vem, atrás de tempo; se há «talvez» para o passado da História, há «talvez» igualmente para o futuro da História; pode ser que um dia a reintegração da Península em si mesma, na sua liberdade essencial, se faça através da reunião de Portugal e de Galiza. Dos dois noivos que a vida separou.

in "Reflexão à margem da literatura portuguesa", de Agostinho da Silva

2 comentários:

MRB disse...

António, tens tantos links tão giros aí ao lado, só que são tantos que as tantas uma pessoa baralha-se. Não queres fazer o favor aos teus leitores de os arrumar por categorias?:P Bjhs!=)

António Vieira da Cruz disse...

Obrigado pela sugestão Rosário. Acabei ainda agora de juntar mais uma mã'-cheia de linques, e prometo que um destes dias organizo a lista. Bjs