terça-feira, 12 de maio de 2009

a criminalidade e os bairros sociais em análise

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Sobre os últimos incidentes de criminalidade ocorridos em bairros sociais, algumas notas breves:
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1. Por causa de pequenos grupos de delinquentes, há bairros sociais que são estigmatizados como um todo, a muitos níveis, até na busca de emprego. Conheço pessoas que, para além da carga social de serem pobres, desempregados, deficientes ou de outras raças (que mania palerma agora, a de chamarem "etnias" às raças!), se puderem, não dizem em que bairro moram, porque já lhes aconteceu serem prejudicadas por o dizerem. É necessário estimular os grupos e as lideranças desses bairros para que mostrem as coisas boas que têm à sociedade, e que a comunicação social dê também antena a iniciativas positivas, e não apenas aos acontecimentos negativos. O contraditório e o direito de resposta valem para indivíduos, empresas e partidos que querem defender os seus egos, mas infelizmente ainda não serve para limpar a imagem de bairros inteiros que, muitas vezes, é injustamente manchada.
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2. Os problemas da criminalidade não podem ser reduzidos à questão da emigração. Quanto à emigração, é óbvio que o País deve criar condições para acolher (e não apenas "tolerar") todos aqueles que procurem Portugal para trabalhar e viver. Na falta dessas condições, é nosso dever sermos parcimoniosos na admissão de emigrantes. No entanto, aqueles que já cá estão, têm de ser tratados com toda a dignidade que um português tem e que uma pessoa merece. A vocação histórica do nosso povo passa pelo acolhimento e integração da diferença, pelo respeito multicultural e pela amizade cívica. Agora, é extremamente perigoso e errado insistir em pegar à criminalidade um rótulo de emigração, pois é o mesmo que colocar a todos os emigrantes um selo de criminosos. Esta premissa generalizadora, além de racista e perigosa, pura e simplesmente não é verdadeira.
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3. O urbanismo social tem sido, em geral, mal desenhado. Não só criou guetos erguidos em espírito de apartheid (ciganos para um lado, brancos para aqui, pretos para acolá), como o próprio conceito de "bairro social" é, quanto a mim, errado, principalmente se há casas abandonadas ou desabitadas que são das Câmaras Municipais e nada rendem, antes pelo contrário, prejudicam as vizinhanças. O ideal de integração social seria que em cada bairro houvesse habitantes de todas as condições sociais, tanto quanto fosse possível ao poder municipal de fomentar. Era de entregar estas casas a quem precisa em vez de as distribuir pelos amigalhaços, e cobrar uma renda adequada ao sítio e às possibilidades da família alojada - uma renda justa e aceitável. Recuperava-se e humanizava-se os bairros antigos, a integração dos desfavorecidos seria mais fácil, poupava-se dinheiro, evitava-se a necessidade de mais guetos sociais.
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4. Os contratos locais de segurança são, efectivamente, passos positivos que se têm dado. Se muitas coisas más há a apontar ao actual governo socretino, nem tudo é trevas: também há iniciativas boas que devem ser valorizadas, e estes contratos são uma delas. Através destes acordos, o Estado apoia (em meios e em dinheiro) as associações locais que se encontram nos bairros, mesmo em campo, e que melhor que ninguém sabem quais são os problemas e como lhes dar resposta. Sublinho, é de louvar esta medida.
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5. No entanto, os contratos locais de segurança não chegam. É necessário abrir esquadras de polícia nestes bairros. É necessário um policiamento de proximidade, de facto. A Polícia é mal vista e até mal-vinda nestes bairros, pela simples razão que, sempre que aparecem, é pelas piores razões: repressão, buscas, rusgas, detenções de suspeitos, etc. - o que faz com que as famílias se solidarizem numa frente comum contra a intrusão policial, sem saber qual a pior das inseguranças, se a dos gangs, se a dos azuis. A Polícia actualmente é reactiva, quando deveria ser preventiva. Com esquadras de bairro, os polícias deixam de ser aqueles indivíduos que fazem papel de maus e de brutamontes securitários, para passarem a ser entendidos como amigos que estão lá para o bem das populações, para as proteger. Faz muita diferença o Sr. Agente passar a ser o Agente Silva, faz toda a diferença ele conhecer o Joca dos berlindes, a D. Maria da limpeza e o Sr. André do talho, em vez de os olhar a todos como suspeitos da traficância de droga, das armas e da prostituição.
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6. Com o apoio às instituições locais, com esquadras de bairro, policiamento de proximidade (mais polícias a andar a pé, menos polícias a passar de carro), com melhores planos urbanísticos, com boas escolas em articulação com as universidades e a malha empresarial da zona, e com esforços de integração social e cultural das pessoas, estas populações respirarão novos ares de cidadania.
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6 comentários:

Tiago Ribeiro (ex VTC) disse...

Hey António..a dica é mesmo essa mas infelizmente só os actos de vandalismo chocam e permitem vendas aos media, todo esse sensacionalismo é podre, sem duvida!!

Mas pronto, cá nos arranjamos ;)

António Vieira da Cruz disse...

Grande Tiago, sê muito bem-vindo a esta tua casa. ex-VTC? Para nós continuas sempre dos nossos! Não desistas, fazes lá falta!

Quanto aos media, concordo contigo, daí o apelo. Temos de arranjar uma maneira de tornar a esperança mediática, como nos EUA se conseguiu, e não apenas em campanhas eleitorais. Hoje vi uma reportagem da SIC feita pela positiva, sobre a Cova da Moura. Ainda não foi uma notícia de abertura de telejornal, mas pode ser que o panorama esteja a mudar!

Obrigado pelo comentário, grande abraço!

O Troikado disse...

Gostei do post no entanto 2 ou 3 reparos:
1º a comunicação social não tem nada que dar tempo de antena ás coisas positivas, faz lembrar uma amiga minha que dizia que deveriam falar quando as crianças dos bairros sociais iam á escola por exemplo.
Em Portugal, felizmente,é o normal, logo não se devem falar de coias normais.
2º Os bairros sociais existem mas foram os próprios moradores a criá-los, procura nos ficheiros do DGOTDU (Direcção Geral para o Ordenamento e Desenvolvimento Urbano) casos em que se tentou abolir tais bairros e os moradores por uma questão cultural decidiam construir os seus próprios bairros.
Por fim juntar pessoas de todas as classes não resulta, no tempo do Estado Novo criou-se isso nos Olivais em Lisboa e pergunta a quem lá viveu se aquilo não era palco de grandes lutas á pedrada.
Bom blog, Abraços:
Manuel Ferrão

António Vieira da Cruz disse...

Caro Manuel, bem-vindo! Obrigado pelo comentário.

Quando digo que a comunicação social deve dar cobertura a iniciativas positivas, não me refiro a coisas normais como ir à escola, isso seria aumentar o fatídico número de notícias de encher chouriços. Falo isso sim de acontecimentos importantes que mexem realmente com a dinâmica daquelas populações e que podem servir de exemplo a outros bairros. Falo de notícias de real interesse público e que não passam no telejornal. Já fui a muitas dessas iniciativas e a comunicação social esteve várias vezes presente... mas só estavam à espera do desastre, pois as raras vezes que a notícia saía, era a correr e no fim dos telejornais. Falo de respostas que as instituições e os residentes dão aos incidentes negativos dos quais são vítimas, como por exemplo marchas de milhares de pessoas vestidas de branco pela paz, ou as associações de residentes a pintar os bairros onde estão, especialmente onde havia graffities. Estas acções têm muito mais impacto na vida diária das pessoas que ali vivem do que um par de carros incendiados ou do que um tiroteio. Os media optam pelo sensacionalismo, e estas verdades não são tão fotogénicas (videogénicas?).

Quanto ao urbanismo, há muitas casas na Mouraria, em Alfama, no Castelo, até na Baixa, só para falar do centro histórico de Lisboa, que estão a cargo da Câmara e caiem aos bocados de abandonadas. Muitas, são casas que sempre foram consideradas "populares". O interessante de Alfama ou da Mouraria é ver como as casas mais nobres e as casas mais populares se integram perfeitamente numa harmonia social que a ninguém fere. Mas não só aqui, também em bairros lisboetas de períodos mais recentes como Alvalade ou Telheiras, o equilíbrio social conseguiu-se com sucesso. Há uma integração. Em Paris, houve em tempos uma solução menos simpática mas mesmo assim mais aceitável que a guetização das pessoas, que era distribuir no mesmo prédio (grande) as pessoas pelos andares conforme a sua origem social, os mais pobres para os andares superiores se não houvesse elevador no prédio e vice-versa. Isto, como medida social, não resultou mal (até porque, no fundo, é o que aconteceria naturalmente pelas leis da economia livre...).

Não conheço muito bem o caso dos Olivais, nem sei se estás a falar de Olivais Norte ou de Olivais Sul que, parece-me, são experiências urbanísticas diferentes. Mas de qualquer forma, tenho ideia que tanto num caso como noutro, o planeamento urbanístico foi mais bem conseguido que em sítios que os media têm feito o favor de mostrar às pessoas recentemente.

Obrigado Manuel. Abraço!

MRB disse...

António, achei o post excelente, gostei mesmo!
Não sei se viste, noutro dia vi nas notícias que em Setúbal, após os incidentes, também se realizou uma caminhada pela paz! (acho que foi uma iniciativa ligada à paróquia!)Gostei da notícia pois conseguiram falar da boa iniciativa do bairro, e também falar de algo relacionado com a Igreja Católica, sem que fosse para bater (o que se vai tornando raro..)

Manel, olá! Por aqui:P?
Só uma nota em relação ao que disseste: Se calhar à bairros que se "auto-desterram" porque os moradores assim o querem, como referiste. Mas não todos. Outros as câmaras constroem-nos de raíz, pondo verdes para um lado e azuis para outro, ou então tiram-nos de um sítio porque querem construir lá algo tipo expo 98 e mandam-nos para sítios mais afastados do centro de Lisboa, de onde também é mais caro sairem (comparar preços de carris com rodoviária de Lisboa)

Beijinhos aos 3 (Olá Tiago:D Que saudades!)

António Vieira da Cruz disse...

Obrigado Rosário. Não vi essa notícia, passou-me despercebida. Mas ainda bem que fizeram a marcha! Marchar é sempre boa ideia. Bjs!